Hans-Werner Sinn, presidente do Instituto de Pesquisa Económica
ENTREVISTA E necessária urna Conferéncia Europeia para avancar corn urna moratoria parcial da divida pública dos periféricos da zona euro, proptie o mais influente economista alemao da atualidade, o presidente do Instituto de Pesquisa Económica de Munique. Conhecido pelas suas posicties liberais e muitas propostas polémicas, defende que o sistema do euro deve ser flexivel, permitindo saldas temporárias e regressos posteriores dos seus membros mais frageis, de modo a completar as operacCies de "corte" na divida corn o uso eventual de desvalorizacoes
JORGE NASCIMENTO RODRIGUES
Os atuais juros da clivida dos países periféricos do euro em níveis historicamente baixos nao sdo sustentáveis. E podem ser inclusive nocivos a médio prazo, afastando do caminho solupies mais radicais que deveriam ser tomadas. É a opinido de Hans-Werner Sinn, presidente do IFO-Instituto de Pesquisa Económica, um think tank corn sede em Munique, considerado um dos mais influentes da Europa. Em vez das estratégias de resgate impostas pelo Eurogrupo, Fundo Monetario Internacional e Banco Central Europeu (BCE) desde 2010, o economista alemdo defende uma conferência europeia sobre a divida. Nesta entrevista exclusiva ao Expresso, realizada por e-mail, salienta a urgéncia de se flexibilizar o sistema da zona euro, permitindo, se necessário, saldas temporárias e regressos posteriores, abrindo aos países-membros em crise a possibilidade de usarem o instrumento da desvalorizagdo.
Apesar das políticas de estímulo monetário do BCE desde o final de 2011 e das medidas específicas para o sector bancário da zona do euro — em particular na Irlanda, Espan ha e Portugal —, o temor de uma crise financeira regressou na semana passada com o epicentro num grupo financeiro portugués. 0 que correu mal? A turbuléncia financeira tem rafzes mais profundas. Eu situo o problema na redugdo das taxas de juros no sul da Europa que aconteceu depois de 1995, quando o euro foi anunciado na Cimeira de Madrid da Unido Europeia. Essa redugdo criou urna bolha de crédito no sul da Europa que privou essas economias da sua competitividade. A contramedida adequada seria uma desvalorizagdo da moeda, mas isso nao está disporavel no quadro do euro. Todos os países do sul da Europa estdo prisioneiros do euro. Alguns serdo capazes de ganhar a vida, depois de reformas dolorosas, mas outros sofrerdo por um longo perfodo de tempo, se nao forem tomadas medidas mais radicais.
Está a pensar em Portugal no grupo que poderá sofrer? Nao tenho a certeza. Mas Portugal pode pertencer a essa categoria.
Ficou surpreendido com estes episódios financeiros recentes? Surpreendido em certamedida, pois nao esperava que o problema surgisse com o caso Espirito Santo, em particular. Mas, em geral, eu nao fiquei surpreendido. Sempre fui pessimista sobre as políticas do BCE. Sao apenas analgésicos. Nao sdo medidas que possam restabelecer a competitividade.
Essa turbuléncia recente, em particular nas bolsas de valores, e o panic) que revelou sac) justificadas? Nao. Os mercados financeiros sempre reagem com exagero. Mostraram- -se muito confiantes no último ano e meio, e agora talvez estejam demasiado pessimistas.
Os atuais juros da dívida soberana em mínimos históricos na Irlanda, Espanha e Italia, e muito perto disso em Portugal, sac) sustentáveis? Nao. As taxas estdo tao baixas, simplesmente porque os investidores acreditam que os contribuintes europeus acabardo por pagar a conta através das ajudas do BCE ou dos fundos de resgate. Juros da divida tao baixos levam a endividamento excessivo. Isso pode ajudar de momento, mas vai empurrar essas economias para uma confusdo cada vez maior.
Recentemente retenu à Bloomberg que sugeria uma conferéncia europeia sobre a dívida soberana, permitindo um alívio parcial para os países do sul da zona euro. Isso significa que os resgates e os programas de consolidaflo orçamental da troika nao resolveram o problema do sobreendividamento? Em geral, os programas de resgate significam que os contribuintes pagam a conta. Acho que seria mais apropriado, os credores enfrentarem a verdade e reconhecerem que nao vao ter de volta todo o dinheiro. Precisamos, de facto, de uma conferência europeia sobre a divida, para que possa ser resolvida uma parte da divida dos e para com os bancos e uma parte da divida dos Estados e dos bancos centrais em cada país membro em relagdo ao Eurossistema, de modo a que os países do sul possam voltar a respirar. Defendo, também, que o Eurossistema deve ser mais flexível— permitindo saldas temporárias e regressos posteriores, de modo a que essas economias possam desvalorizar.
Isso quer dizer que a Cimeira Europeia e o Eurogrupo térn de deixar de E necessária urna conferencia para a moratéria da dívida dos periféricos argumentar que a decisdo de reestruturaçao da dívida grega em 2012 foi "única" e rapidamente alargarem essa estratégia? Sim. Reestruturagóes limitadas de divida como no caso da Grécia raramente sdo únicas. Precisamos, de facto, de uma abordagem mais fundamental para reprogramar o Eurossistema. Caso contrário, os mercados nao acreditardo na solugdo e países como Portugal irdo sofrer por um longo período de tempo.
Para a conferéncia que proptie, o que tem em mente? Algo como a Conferéncia de Londres de 1953 sobre o sobreendividamento da Alemanha na altura? Sim, por exemplo. Naquela conferéncia de Londres, os credores renunciaram a parte da divida externa alemd no valor de 213% do PIB. Mas também estou a pensar na crise mundial da divida no iracio dos anos 8() e na crise asiática no final dos anos 90. Essas crises nao foram resolvidas com dinheiro dos contribuintes, mas por "cortes de cabelo" (haircuts) para aliviar o fardo da divida.
Há várias propostas para a resoluçdo do sobreendividamento na zona euro. Alguns economistas alemdes sugeriram um fundo de redençao para uma mutualizaçao, Varoufakis, Holland e Galbraith falam de urna "proposta modesta" e Charles Wyplosz sugere urna reestruturaçao única de 50% de toda a dívida soberana da zona euro. Sao propostas ads? Nao estou de acordo com o fundo de redengdo, ja que mais uma vez envolve dinheiro dos contribuintes. Tenho mais simpatia pela proposta de Charles Wyplosz, ainda que aquela percentagem tenha de ser negociada.
Defende a possibilidade de uma saída do euro para alguns desses países sobreendividados? Sim. Proponho uma unido monetária que respire, que tenha a possibilidade de salda e regresso. Uma casa em que se pode entrar, mas nao sair é uma prisdo. Amenos que se avance para uns Estados Unidos da Europa ou uma confederagdo de tipo sufqo — solugóes que eu endossaria — defendo transformar a zona euro num acordo cambial mais flexível, algo entre o dólar e o sistema de Bretton Woods. Mas, antes, em todas as circunstancias, precisaremos de um realinhamento monetário.
O BCE está a agir para lá do seu mandato? Mario Draghi está, na realidade, a fazer mais do que política monetária, particularmente, desde a decisdo de criaçao do programa OMT? O BCE levou a cabo urna política de resgate fazendo recair o risco sobre os contribuintes, em vez de fazer apenas política monetária. Partilho a opinido do Supremo Tribunal alemdo de que o BCE ultrapassou o seu mandato. O BCE ajudou os credores mais do que era permitido. Agora é o momento de ajudar a populagdo dos países atingidos pela crise com ulna moratória da divida, bem como com Wes de salda e de regresso [da zona euro]. Na minha opinido, esta é a única forma de revitalizar os mercados de trabalho e de consolidar os orgamentos públicos.
PERFIL
Hans-Werner Sinn 66 anos, é presidente do Instituto de Pesquisa Económica IFO, um think tankcom sede em Munique criado em 1949, e que é considerado um dos mais influentes na Europa.
Académico Professor de Economia e Finanças Públicas na Universidade Ludwig Maximilian, de Munique, e diretor do Centro de Estudos Económicos (CES) e do CESifo.
Autor polémico Publicou vários livros nos últimos anos que incendiaram a crítica, onde se destacam "Pode a Aleman ha ser salva?" (2007), "O Paradoxo Verde" (2012) e Capitalismo de Casino" (2010).
Influente O jornal alemán "Allgemeine Zeitung Frankfurter" considerou-o, no ano passado, o economista com maior influkcia política na Alemanha.
Liberal É um dos atuais expoentes do "ordoliberalismo", também conhecido academicamente como "Escola de Friburgo", uma corrente de economistas desde 1930 que defende u ma variante alemd do que tem sido designado por neoliberalismo. o termo foi cunhado em 1950 por Hero Moeller para salientar a especificidade desta corrente que influenciou o conceito de "economia social de mercado" na Alemanha no pós-guerra.
Die englische Version des Interviews erschien mit dem Titel Hans-Werner Sinn: «We need a debt moratorium for the Euro zone crisis debt countries» auf janelanaweb.com